quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

SOUTO DE LAFÕES


Situada no extremo Este do Concelho de Oliveira de Frades, numa das encostas do Rio Vouga, a Freguesia de Souto de Lafões encontra-se dividida em dois pólos, constituindo Vilarinho um enclave. É composta pelos lugares: Aldeia, Arrabaldinho, Cabeço, Calvário, Casal, Castelo, Cunhedo, Igreja, Ladeira, Paço e Vilarinho.

Terra antiga, já referenciada, no Séc. XIII, nas Inquirições de D. Afonso III: “Idem Petrus Petris juratus dixit, quod Petrus Menendi pater ejus testavit monasterio Sancti Christofori unam vineam forariam Regis in Sauto in Arravaldino tempore Regis Sancii fratis istius Regis (…)
Dominicus Johanis de Sauto juratus dixit, quod Ausenda Suierii Socro ejustestavit monasterio Sancti Chritofori unam leyram de vinea foraria Regis in termino de Sauto in loco qui dicitur Sautus, tempore Regis Sancii fratis istius Regis”.

Já em 1527 compreendia as actuais povoações, segundo um numeramento, mandado fazer por D. João III, onde constam 32 fogos, espalhados pelos lugares de aldea do Souto, ygreja do Souto, arrabalde, vilarinho e povoa do cunhedo.
Em 1708, pertencia ao termo de S. João do Monte e compreendia 100 fogos, sendo habitado por 290 habitantes. [i]
Hoje , segundo os censos de 2001, é composta por 316 fogos e 703 habitantes.

A principal actividade desta freguesia é a agricultura. No séc. XVIII, há já referências à abundância de videiras que davam “copiosa abundância de vinho, o mais dele, a que chamam Amaral, uvas de cor preta, é verde mas na qualidade excelente” [ii], assim como árvores de fruto e outras culturas: (…) as árvores são castanheiros, carvalhos, salgueiros (…) além destas árvores tem bastantes oliveiras. Produz todos os frutos, trigo, centeio, milho grosso e miúdo, feijões, castanhas, bolotas, azeite, mas a maior abundância é de milho grosso e vinho”.[iii]
Como complemento à actividade agrícola, havia a moagem, havendo, espalhados pelas margens do Rio da Azia e da ribeira de Varzielas, vários lagares de azeite e casas de moinhos, movidos a energia hidráulica. Existia também, um pisão de madeira, destinado “apertar a trama e até a teia, operando ao mesmo tempo a amálgama das fibras, que o transforma numa espécie de pasta feltrosa, homogénea, espessa e forte; tal é que precisamente a função dos pisões, onde além disso, porém, como regra, os tecidos são lavados e desengordurados da sujidade e restos da “suarda” natural da lã, ou do azeite e demais produtos com que a prepararam antes da fiação, pelo mesmo processo de apisoamento, com água, sabão, ou outros ingredientes apropriados, que ao mesmo tempo os limpa das fibras soltas ou que se desprendem.”
[iv]

Há, na freguesia, uma igreja e quatro capelas, situadas no Monte de Santa Bárbara, Cunhedo, Calvário e Vilarinho.
A igreja de Souto de Lafões é célebre pela riqueza dos seus altares em talha dourada. O exterior indica que foi construída ou reconstruída em épocas distintas, apresentando traços dessas várias épocas. O Santo Padroeiro da Freguesia é o São João Baptista, do qual se encontra, na parte frontal desta igreja, uma imagem de pedra, levada em procissão, no dia 24 de Junho, dia consagrado a este Santo.
A capela de Santa Bárbara, foi construída em 1771, promovida por “o Capitão João António Dias, o Alferes Manuel da Costa Lopes Bandeira, o Capitão Luís José de Almeida e a maior parte dos moradores do lugar e freguesia de São João Baptista de Souto, arcipreste de Santa Bárbara no sítio de Fiadeira”.
[v] A festa de Santa Bárbara, tida como protectora das trovoadas, realiza-se todos os anos, a 4 de Dezembro.
Existe neste local um miradouro do qual se tem uma vista privilegiada sobre a vila de Oliveira de Frades, dois courts de ténis e um campo de tiro ao prato (desactivado).
A capela do Calvário, situada nas proximidades da igreja, é dedicada a Nossa Senhora da Piedade, na capela de Vilarinho realizam-se as festas de Nossa Senhora da Ajuda, São Martinho e Santa Ana e no Cunhedo Santo António, padroeiro deste lugar.


A LENDA DO CUNHEDO
“O sítio é verdadeiramente medonho e lugrube, principalmente áquella hora oppressora do crepusculo vespertino. – A um e outro lado da corrente, dois contrafortes hirtos, arrogantes e altíssimos como cabeças colossaes de cyclopes, que uma vegetação desordenada e luxuriante de pinheiros, se salgueiros e de carvalhos, cobre como que de uma cerrada barba, hirsuta e impenetrável. Ao meio, de travéz, a ponte, ameaçadora e fúnebre na solidez luctuosa do seu granito de séculos, alta de mais de 50 metros sobre o rio, e cuja altura, já de si considerável, parecem augmentar desmesuradamente as angustiadas dimensões do leito do rio e a escuridão quasi completa d’aquelle profundíssimo recesso. A luz moribunda do dia que findava, coroando esbatida e branca os cumes das duas montanhas marginaes, vinha morrendo, morrendo cada vêz mais para baixo, até cerrar-se sob a ponte n’uma negrura implacavel de catacumba etrusca. Em frente a Oliveira, na margem direita, lá muito ao alto, os elevados pilares do aqueducto do convento de S. Christovão, agudos, cambos, negros, sobranceiros ás copas do arvoredo, desenhavam-se indecisos, como phantasmas ou como forcas, na diaphaneidade pardacenta do céu (…)
O caminho de Manhouce para Oliveira fazia-se pela ponte do Cunhêdo, ponte lendária e temida, - que o diabo contruira n’uma só noite, e sob cujo arco principal crescia herva de incanto, a uma altura que ninguém era capaz de chegar.
Seriam 10 da noite quando o bom do Bernardo, pachorrentamente montado n’uma pequena mula de arrieiro, vinha descendo a incosta da serra, caminho do Cunhêdo. – Corrêra um regalo a festa! Não houve uma desordem, elle gosára ufano as honras de mordomo, e, para cumulo de sorte, boa maquia lhe coubera da caixa das esmolas… tinha bem valido a pena! – Passára per sob o aqueducto de S. Christovão, e agora deixava á direita o solitario mosteiro, ali erguido verticalmente em meio dos despenhadeiros, por um admirável prodígio de equilíbrio, de que só teriam sido capazes a paciência e a tenacidade fradescas.
A noite… como um prégo.Não havia luar; e as estrellas, poucas e apagadas, derramavam essa claridade irrisória e quasi nulla, própria das noites de verão.
Principiava a ter medo o Bernardo! Aquelle deserto na sombra aterrava-o, sem elle bem saber porquê. Cedia ao imperio irresistivel da natureza sobre o homem, do gigante sobre atomo, da enormidade sobre o grão de pó.
Caminhava receioso, confrangido, tremulo, na antevisão instinctiva d’um desastre. Parecia-lhe que da sombra avançavam para elle traiçoeiras mãos homicidas… E incommendava-se a Deus, fervorosamente.
Entretanto, ia em respeito recordando a lenda singular d’aquella ponte. – Ha dois seculos, não existia, mas sim uma outra, de madeira, a jusante da actual. D’ella se serviam quotidianamente os frades, que de S. Christovão se iam para as bandas de Oliveira, a missionar… De uma vêz, por ocasião de um dia horrível de temporal, a impetuosa torrente do rio cheio destruíra-a, deixando apenas uma das traves de margem a margem atravessada.
Sobre a noite, - uma noite escurissima, como a presente, - um frade recolhia de Oliveira, montado na sua burrinha… e o quadrupede saltou miraculosamente o rio, ao longo da trave, sem que o bom do freire désse fé do desmoronamento. Chegado ao mosteiro, perguntáram-lhe admirados:
- Como atravessáste tu o rio!?
- Ora essa! Pela ponte.
- Como, pela ponte, se o rio a levou!...
Aclarado o caso, por milagre o tivéram os do convento.”
[vi]


BIBLIOGRAFIA:
Nabais, A.; Rodrigues, C.; Martinho, M. 1991 OLIVEIRA DE FRADES. Oliveira de Frades, Câmara Municipal: 535-548.

[i] Padre António Carvalho da Costa, Corografia Portuguesa, Tomo II, Lisboa, 1708, pp. 198 e 199.
[ii] ANTT, Dic. Geográfico, N.º 42, fl. 277.
[iii] Ibid.
[iv] “Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, Pisões Portugueses. Tecnologia Tradicional, Lisboa, INIC, 1977, pp. 5 e 6.
[v] In “Beira-Alta”, ano XXX, 401, 1971.
[vi] Abel Botelho, A Ponte do Cunhedo, in “Mulheres da Beira”, Lisboa, 1898, pp. 106 e 107.

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